14/04/2024 às 12h21min - Atualizada em 14/04/2024 às 12h21min

Moda agênero da Paraíba mistura história e afetividade

Modelos de roupas confortáveis, estilosas e com personalidade deixa a moda agênero mais próxima das pessoas.

Juliana Santos - Pauta Real
Celina Pessoa aposta na moda âgenero com sustentabilidade. Foto: Juliana Santos

“A moda agênero não possui a percepção de gêneros e, sim, de pessoas. A proposta é deixar todos livres para usarem aquilo que desejarem”. A explicação é da professora de Design de Moda, Dyana Barreto Bezerra, em entrevista ao portal Pauta Real, sobre a moda sem gênero, que vem ganhando mercado nos últimos anos.

A procura por modelos de roupas confortáveis, estilosas e com personalidade está tornando a moda agênero ou “genderless fashion” mais conhecida e próxima das pessoas. Ainda são poucas as marcas no mercado da moda, mas na Paraíba já surgem propostas bem inovadoras.

A Viva Celina, premiada pelo Mapeamento Sebrae de Economia Criativa do Nordeste em 2021, na categoria Consumo, é uma das marcas de moda sem gênero no estado, que está em destaque. O mapeamento é realizado pelo Sebrae em parceria com a Impacta Nordeste e busca a seleção da Pipe.Social, tendo como objetivo compreender melhor o ecossistema de economia criativa da região Nordeste.

A empresária Maria Celina Pessoa utilizou justamente desse modelo de gestão e iniciou o trabalho da marca em 2015, buscando fornecedores e estudando sobre sustentabilidade. Em 2018 foi iniciada a produção da marca, que leva o nome da proprietária e da avó dela, Dona Celina, que se estivesse viva estaria completando 100 anos.

A Viva Celina inseriu no mercado um design autoral, misturando a cultura, tradições e memórias afetivas. A empresa também tem uma proposta sustentável e utiliza tecidos com maior percentual de algodão, além de zíperes e botões feitos de material reciclável, um conjunto que torna cada peça vegana. 

São confeccionadas calças, camisas, camisetas, acessórios, short, bermudas, vestidos, saias, sobreposição, blusas, macacões e croppeds. As peças são vendidas de forma online, pelo site e por aplicativos de mensagens. Os preços variam entre R$ 190 e R$ 500. 

"Saímos daquele universo de roupas unissex que geralmente eram calças, moletons e camisetas, mas quando ia para saia e vestido já voltava para o universo feminino. Então nos atemos a fabricar roupas amplas que se adequem a todos os corpos e roupas marcadas, vistas mais no universo feminino para mostrar que o cliente pode sim fazer suas escolhas", reforçou.

Para desenvolver a marca, Maria Celina se inspirou no movimento Fashion Revolution, que surgiu após o desabamento do prédio Rana Plaza, na Capital Dhaka em Bangladesh, que matou 377 pessoas, no ano de 2013. O prédio tinha três andares e era sede de uma fábrica de tecidos, onde trabalhavam mais de 3 mil trabalhadores. O acidente mostrou o quanto as regras de segurança do trabalho eram frágeis no país e revelou o lado obscuro da indústria de roupas.

"Nesse momento fiquei interessada em saber quem tinha feito aquelas roupas e tive dificuldade de encontrar marcas locais que fizessem uma moda transparente. Resolvi então que esse seria o momento de lançar minha marca", contou Celina.

Ela escolheu produzir roupas sem gênero, primeiramente por motivo pessoal, usando principalmente a alfaiataria, pois era um universo considerado masculino, de roupas mais fluidas e amplas. Em outro momento observou como as crianças se vestiam. As meninas que estavam de vestido em festas infantis, por exemplo, não ficavam confortáveis para brincar nos brinquedos e as roupas dos garotos eram mais interessantes, pois proporcionavam maior mobilidade à criança.

"Isso foi uma chave que mudou meu pensamento e comecei a estudar mais sobre a moda agênero e me perguntava por que a indústria precisa ditar o que as pessoas vestem ", comentou.

O ateliê da Viva Celina fica na Zona Sul de João Pessoa, onde trabalham a diretora criativa e uma costureira. No ambiente são produzidas as peças da marca e também de outras empresas, que reunidas criaram uma rede criativa e colaborativa de troca de serviços que cada uma oferece.

“Como a Viva Celina trabalha de forma slow fashion, uma produção mais lenta, trabalhamos de forma colaborativa com outros ateliês. Um faz o tingimento, outro tem modelista, um costura, outro corta e assim fechamos um ciclo de vários serviços oferecidos para construir as peças de cada marca”, explicou Celina.

Afetividade

"Não consigo produzir nada que não me transforme, me abale por completo, não consigo fazer nada que não acredite". Assim, Celina define a proposta de vida que inseriu na confecção das roupas de sua marca.

A primeira coleção foi "Memórias de Família". Ela se debruçou sobre as fotos dos álbuns da própria família e de outras, e verificou os modelos das roupas com as quais as pessoas se vestiam antigamente. Essas lembranças trouxeram uma pegada forte na produção de roupas em alfaiataria, que também trabalhou a cultura nordestina.

Além do afetivo, por meio das roupas ela conta as histórias da sua família, gerando identificação nos clientes. A segunda coleção, chamada de “Memórias de Veraneio”, permitiu à designer viajar pelas lembranças da época em que aproveitava o verão na propriedade da família, em Forte Velho, Zona Rural de Santa Rita.

Em seguida veio a coleção "Raízes", com uma proposta ainda mais profunda na afetividade. "Produzimos um ensaio com as peças que eu queria vestir na casa de veraneio, que combinam com nosso clima e algumas histórias trazem referências a essas peças, como as que levaram o nome de canoa e trapiche", explica.

Na coleção mais recente, chamada “Artesania”, foram produzidas roupas bordadas com pequenas peças de cerâmica, feitas por um ceramista local. Em outras foi incluído o crochê, em parceria com as crocheteiras de Boqueirão, do Lajedo do Marinho. O intuito é levar com mais força as tradições culturais e os trabalhos manuais da Paraíba.

“Essa coleção é uma mistura de arte, cultura e poesia que é composta por quatro atos. Dois foram lançados e faltam mais dois, que também serão produzidos com textos de poesia que fizeram história na Paraíba. O tecido também é trabalhado com o algodão colorido cultivado no estado, para valorizar ainda mais nosso produto local", ressaltou.

Moda agênero

Precisamente não se sabe o período que surgiu a moda sem gênero ou genderless fashion, mas de acordo com a professora do curso de Design de Moda do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ) Dyana Barreto Bezerra, o movimento pode ter iniciado no século XX. Nesse período, foram criados diversos grupos de moda e muitas pessoas experimentavam roupas que tradicionalmente seriam de sexo oposto.

“A moda agênero surge de uma combinação de diferentes influências que afetam a forma como as pessoas escolhem suas roupas”, comentou.

Dyana citou o livro do professor João Braga “História da Moda: uma narrativa”, onde ele detalha que nas décadas de 1960 e 1970, durante o movimento de contracultura e o surgimento do feminismo, as roupas unissex se tornaram populares. Jovens mulheres vestiam ternos, macacões e calças, desafiando as normas de gênero estabelecidas naquela época.

A professora ressaltou ainda que a moda agênero ganhou destaque em resposta aos movimentos sociais LGBTQIAP+ e a crescente conscientização sobre identidade de gênero. Marcas e designers de moda passaram a criar coleções exclusivas e flexíveis em termos de gênero.

“Ao optar por vestir-se de forma diferente do padrão normativo, estamos apresentando um ideal, uma narrativa de ruptura com o comum e, sim, isso pode ser uma ferramenta de protesto. O ato de se vestir, sob a perspectiva de quem estuda e trabalha com design de moda, é sempre político. Ao escolher suas roupas, você expressa sua personalidade, seus hábitos de consumo, sua rotina e seu estilo de vida”, pontua.



Roupas Unissex e Agênero

As modas unissex e agênero são muito confundidas por compartilharem algumas técnicas de modelagem e costura, mas têm suas diferenças. A moda unissex, por exemplo, concentra-se na neutralidade de gênero, buscando criar peças acessíveis e adequadas para qualquer pessoa, priorizando o conforto e a praticidade do usuário. Isso pode incluir itens como camisetas básicas, jeans retos, suéteres soltos e outras peças que não possuem características distintas de gênero em seu design.

Já a moda agênero questiona os desafios binários de masculino e feminino, não se encaixando em nenhuma categoria tradicional de gênero. Ao contrário da unissex, que preza pelo conforto, a roupa sem gênero destaca também a expressão e a personalidade do usuário.

Algumas lojas e designers utilizam tecidos com cores mais neutras e cortes mais simples. Mas isso vem se modificando e as roupas agênero estão cada vez tomando mais formas, cores e expressões artísticas, promovendo a liberdade de identidade.

Para a designer de moda, Dyana Barreto Bezerra, as pessoas que trabalham com moda e, principalmente na criação de peças, é crucial ampliar a compreensão sobre diferentes vivências e reconhecer a beleza na diversidade.

“O preconceito de gênero, juntamente com outros tipos de preconceito, permeia a indústria da moda, principalmente devido ao enraizamento da moda ocidental europeia, que muitas vezes é associada à exclusividade e à brancura. Como profissionais de moda, temos a responsabilidade social de promover a inclusão e a representatividade em nossos trabalhos”, disse.


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